Thursday, March 25, 2021

Gatilhos

Meu primeiro emprego foi aos 18 anos, em uma loja para "ricos" no shopping que antes era o Iguatemi. O ano era 2000. Nessa época, aqui em Belém/PA, mulheres e homens que trabalhavam em shopping eram vistos como michês ou gays. Nunca descobri o motivo desses rótulos. Nessa época, comecei a conviver com pessoas de visões e experiências diferentes do que eu estava acostumada. Há 18 anos, meu mundo era a Marambaia, tudo o que eu conhecia estava lá e, a partir daí, tive meu primeiro choque de cultura. Fiz excelentes amizades, trago algumas até hoje. Trabalhar no shopping me proporcionou conhecimentos que carrego comigo até hoje, como: não ser tão consumista; amizades vem e vão; pessoas podem sim ser traiçoeiras (não que no meu bairro de infância não existissem pessoas vulpinosas. Claro que existiam, mas esse era o início da minha fase adulta). Eu conheci pessoas com 30 anos, pais, mães, trabalhadores que precisavam ganhar seu sustento; e eu era uma concorrente. A questão é: ali fui aprendendo como perceber sarcasmo e malícias. Uma dessas lições, que não esqueço, foi de um cliente específico da loja. Na verdade, não era ele o cliente, mas a esposa dele. Ela sim era uma importante cliente da loja e não era eu a atendente dela, afinal, eu não tinha jeito para lidar com a nata paraense - até hoje não domino essa arte, mas adquiri um pouco de traquejo ao longo dos anos -. O marido dela ia a loja para buscar as sacolas com roupas reservadas para ela provar em casa. Chique, né? Aqui em Belém, as pessoas ricas de verdade pouco vão na loja, elas recebem as novidades em casa. Bom, ele foi e eu era quem estava na vez do atendimento e por isso o recebi, ele disse o que tinha ido fazer, entreguei as sacolas e ele pediu minha ajuda para ir levar as sacolas com ele até o estacionamento, minha gerente permitiu e então fui. Um senhor super agradável, até chegarmos no carro. Quando deixei as sacolas que carregava, ele me agradeceu pegando na minha cintura e dando um beijo no meu rosto. Não gosto que peguem em mim do nada, tenho péssimas experiências com esse tipo de atitude e todas elas advindas do sexo masculino. Me afastei o máximo que eu pude, para não ser indelicada e ele achou que eu tivesse gostado. Não sei de onde ele tirou isso, já que, até hoje, no auge dos meus 38 anos, eu não disfarço quando não estou contente com algo. Ele se aproximou de novo e tentou me beijar, já colocando um cartão de visita na minha mão, depois falou: “se precisar de qualquer coisa, me liga". Só virei as costas e saí andando bem rápido, eu sentia tanto ódio que não lembro nem do tempo que levei para chegar de volta a loja. Lembro que deixei no balcão o cartão que ele me deu e fui para o estoque que ficava no andar de cima. A vontade que eu tinha era de socar uma parede para não socar a cara dele. Respirei fundo algumas vezes, bebi água e desci silenciosamente. Minha gerente me perguntou o que era o cartão e aí eu disse que ele havia me dado para caso eu precisasse de alguma coisa. Minha gerente experiente só disse: “homens sendo homens” – acho que ela disse isso, como disse, não lembro muito bem, por motivo de ódio -. Mulher nunca teve um dia de paz.